sábado, 31 de outubro de 2020

Crônica para um Grande Amigo

2 de novembro, dia de Finados, dia da despedida do Eudes, em 2010. 

José Antônio Diniz de Oliveira, um grande amigo, escreveu esta crônica, publicada em Dez/2010 na Revista do Satélite, uma das tantas associações dos funcionários do Banco do Brasil das quais o Eudes foi ativo participante.

Difícil, muito difícil escrever sobre você, Humberto Eudes. Afinal, foram 25 anos de conversas, lutas e vivências que marcaram demais a vida de seus amigos mais próximos.

Eu poderia falar do militante comunista que entrou para o Partidão em 1968, quando todo mundo estava saindo ou se escondendo. Época em que você, caixa do Banco, temendo perder o emprego, tirou carteira de habilitação profissional para ser taxista, se a situação piorasse.

Foi quando também se elegeu conselheiro fiscal da Cooperativa de Consumo. Tinha cinco anos de Banco e enfrentou problemas para recusar a aprovação de um balanço (em que o contador ganhou uma geladeira para assinar o balanço). Contando isso hoje, parece bobagem mas em 1968, os tempos eram difíceis, a ditadura recrudescia e dar uma de herói era quase um suicídio. Mas você era teimoso e resistiu a participar de uma enganação. Quase virou taxista ("o que não seria nenhuma desonra", você diria). 

Um dia virou diretor da Cooperativa. Já era década de 80. Começou como diretor e depois foi presidente, revezando com o Barreto. Foi uma época pujante, até a inflação galopar e virem os planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor. E a Cooperativa, firme, vendendo com 50 dias de prazo, porque você não abria mão de "arrecadar dos fornecedores e do Banco para repassar aos cooperados".

Em 1989, criamos a FECOB, para reunir as cooperativas de consumo dos funcionários do BB, revelando uma realidade que nem o Banco conhecia. Você foi o primeiro presidente, mas nunca se importou com isso. Importava-se muito mais com o fechamento de uma cooperativa, por menor que fosse, porque via nisso uma fragilidade do nosso sistema e da nossa causa romântica. Nós que professávamos os princípios dos probos pioneiros de Rochdale que, na Inglaterra ("nos arredores de Manchester", dizia) criaram o sistema cooperativista em 1844.

Um dia o pessoal da Previ descobriu a sua importância e você foi eleito conselheiro deliberativo. E foi sua melhor fase, sua grande contribuição. Na reforma do estatuto de 1997, seu trabalho foi fundamental para o texto e para o debate. Alguns militantes de fala fácil que nunca legaram nada, criticam até hoje. Para ficar apenas num ponto, o benefício dos aposentados acompanhava o salário do pessoal da ativa, que ficou oito anos sem reajuste. Não fosse o índice inserido em estatuto, certamente os aposentados receberiam hoje metade do que recebem.

Quando veio a privatização, disse: "eu também sou contra, mas se vão fazer, a Previ tem que participar."  Foi assim que a Vale não se desnacionalizou completamente. Também defendeu a participação no Conselho das empresas, para que a Previ não cedesse apenas seus recursos, mas pudesse influir nos destinos de seus negócios. 

Defendeu o investimento em projetos que viabilizassem o Brasil- mantido o ganho atuarial e  legal, é claro - "porque não poderíamos ser navegantes de primeira classe de um barco que estivesse afundando". Simples: o Brasil tinha que dar certo.

Meu velho, só a Rosa - sua companheira de tantos anos - saberia descrever tudo o que você viveu e sofreu pela coletividade dos funcionários do Banco. Só ela conhecia o seu lado mais forte e suas fragilidades.

Mas não é da sua militância política ou associativista que os amigos que conviveram com você sentem mais saudade. É do leitor voraz, de memória incrível; do poeta que decorava poesia, cometia sonetos e fazia músicas; do cinéfilo que não se esquecia do enredo de filmes, ainda que muito antigos; do erudito; do crítico; do popular; do chantagista emocional; do emotivo, do sentimental que sabia todas as músicas (nome, compositor, letrista); do palmeirense; do mineiro.

Pai, filho, irmão e amigo. Preciso de todas essas dimensões para dizer do afeto pela sua pessoa e expressar a falta que você representa na vida de quem teve o privilégio de compartilhar sua doce e intensa companhia.

A gente nunca vai se conformar, para usar um verso seu, "com o vazio desta dor".