domingo, 9 de agosto de 2020

Tolezano

Salvador Tolezano é nome de rua no Mandaqui, em São Paulo, próximo ao Conjunto dos Bancários (localização no mapa). Tolezano foi presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo entre 1969 e 1970. Liderança importante, ajudou na mobilização da categoria pós 1964, como conta Frederico Brandão, que o antecedeu na presidência do sindicato, entre 1966 e 1969. Walter Barelli, importante nome do DIEESE, também lembra da liderança de Tolezano em seu depoimento ao Centro de Memória Sindical.

Amigo próximo de Tolezano, Eudes nos contava histórias do sindicalista, nascido na Itália, cruzando fronteiras controladas pelos nazistas ao final da guerra e, com apenas 6 anos de idade, funcionava como mensageiro para os "partigiani". Eu ficava encantado de saber como um menino menor que eu era capaz de uma façanha de tanta coragem.  

Tolezano tinha uma outra importância fundamental para mim. Era ele que, por algum motivo que nunca entendi muito bem, encaminhava os fascículos da enciclopédia Conhecer que o Eudes trazia pra casa e eu devorava, antes mesmo de serem encadernados naqueles grandes livros vermelhos. 

Antes do Google e da Wikipédia – as enciclopédias do passado ...


Membro do Partido Comunista Brasileiro, Tolezano ficara, como o Eudes, na ala minoritária dos bancários contra entrar na luta armada. A maioria tinha ficado com Marighella e achava que só uma solução militar poderia restaurar a democracia. O trabalho no espaço muito restrito deixado para a militância civil dava pouca visibilidade, avançava muito lentamente, mas tinha conseguido deixar uma marca entre os bancários.

Tolezano foi assassinado por dois policiais militares a quem deu carona na volta de um evento do sindicato em Sorocaba, em janeiro de 1970. O assassinato foi tratado como crime comum, pois os dois policiais foram presos e alegaram que queriam rouba-lo. Curiosamente, não levaram relógio nem carteira, jogados numa represa junto com o corpo, amarrado numa pedra. 

A repressão avançava não só contra quem pegava em armas contra o regime militar. Quem estava na ação civil também estava sob risco. Para Eudes, foi o sinal para se afastar do movimento sindical. Fez a opção de defender a segurança da família. Era mais importante, naquele momento, ser marido e pai.   

Tolezano deixou filhos, a quem, 50 anos depois, desejo um feliz dia dos pais. 


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Lágrimas de pai-herói

18 de setembro de 1971, um sábado. Eu tinha 11 anos.

O jornal vespertino na TV tinha chamado minha atenção com uma notícia insistente: Carlos Lamarca tinha sido morto na véspera. Capitão do Exército Brasileiro, serviu no Batalhão das Nações Unidas no canal de Suez em 1962 antes de transformar-se em terrorista procurado. Era um dia cinza, fim de inverno.

Lamarca (primeiro à direita) aparece como procurado em um cartaz

Já tinha ouvido sobre ele. Eudes, bancário, fazendo comentários sobre um Lamarca instrutor de tiro para bancários enfrentarem os assaltos constantes promovidos por terroristas. Depois fugiu com armas de um quartel e virou paradigma do enfrentamento armado ao regime militar. Algo de façanha, algo de trágico. Depois de Marighella e antes do Araguaia.

Lamarca em treinamento

Naquela noite, amigos dos meus pais confraternizaram na minha casa. Cervejas, comidinhas da minha mãe, muita conversa sobre música. Histórias, piadas. Risos. 

Inventei de entrar na conversa dos adultos. E fui falando: "mataram aquele cara, o Lamarca". "Como?" "Quem?" "Lamarca?" "Não pode ser." "Foi sim. eu vi na TV". Silêncio. Eudes, já depois de um número de cervejas, começou a lacrimejar. Evoluiu para um choro compulsivo. Os amigos sentiram. Despedidas, fim de festa. Eu sem entender. Acabei com a festa? 

Eu tinha 11 anos.