segunda-feira, 27 de julho de 2020

Eudes e a Grande Cidade

Em julho de 1963, depois de três meses morando sozinho e já trabalhando no Banco do Brasil, Eudes escreve para Rosa vir com as crianças e se juntarem a ele em São Paulo, a grande cidade:

"Porque é dolorosamente insuportável enfrentar um longo dia que se inicia muito antes do sol, sair muito depois que o sol já se foi, enfrentar filas, empurrões, pisadas, xingatórios, pragas, brigas, viajar que nem sardinha, para continuar dolorosamente triste, intensamente preocupado, sentimentalmente sozinho."


Já vivendo o que Friederich Engels tinha descrito em "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra", Eudes certamente conhecia essa literatura: "Esses milhares de indivíduos, de todos os lugares e de todas as classes, que se apressam e se empurram (...), essas pessoas que se cruzam como se nada tivessem em comum (...) e ninguém pensa em conceder ao outro sequer um olhar. Essa indiferença brutal, esse insensível isolamento de cada um no terreno do seu interesse pessoal é tanto mais repugnante e chocante quanto maior é o número desses indivíduos confinados nesse espaço limitado; e mesmo que saibamos que esse isolamento do indivíduo, esse mesquinho egoísmo, constitui em toda parte o princípio fundamental da nossa sociedade moderna, em lugar nenhum se manifesta de modo tão impudente e claro como na confusão da grande cidade." 

Este mesmo sentimento sobre a cidade grande voltou a se materializar alguns anos depois, quando Eudes tomou gosto pela  canção "Despertar" (veja abaixo), interpretada por Iracema Werneck, a quinta música da fase eliminatória nacional do III Festival Internacional da Canção apresentada no Maracanãzinho numa quinta-feira, 26 de Setembro de 1968. Na mesma noite, a jovem Beth Carvalho defendeu "Andança", de Danilo Caymmi e Edmundo Souto. Este festival ficou mais conhecido pelo embate entre "Sabiá" de Tom Jobim e Chico Buarque, preferida dos jurados, e "Caminhando" de Geraldo Vandré, preferida do público, ambas defendidas no sábado, 28 de setembro.  (retirado do arquivo do Jornal do Brasil, clique no link para ver a página do jornal em uma época que se publicavam as letras das canções como escalação de times que se enfrentariam mais tarde).

"DESPERTAR" (clique para ouvir)

Flávia de Queirós Lima — Hedis Barroso Neto — Intérpretes: Iracema Wemeck e As Compositoras

Debruçada na janela

vejo o sol se espreguiçando, 

colorindo novo dia —

vem sorrindo, vem cantando 

no barulho da cidade

que desperta de mansinho.

... o leiteiro vai passando —

assustou um passarinho 

distraído na calçada...

foi-se embora a madrugada, 

mais um dia começou

no corre-corre, o leva-e-trás, 

quem não corre não vem mais. 

Corre-corre todo mundo,

fico pronta num segundo

e vou também:

Trabalhar, ganhar dinheiro 

pra comprar vestido nôvo. 

Quem descansa chama rico 

quem trabalha chama povo 

que sou eu, você também. 

mas não conte pra ninguém

Que amanhã eu vou-me embora, 

já comprei casa na lua,

eu não quero ver passando

tanta gente pela rua

se esquecendo de ser gente, 

tão distante, tão sozinha... 

Tudo acaba de repente, 

quem será que vai ficar

pra contar nossa historinha?